Crescer com o Erro.
Olá,
Vou fazer quarenta anos este mês. É um número redondo que encerra uma década e abre outra. Sou uma pessoa totalmente diferente da que era há dez anos. Cresci, desenvolvi novos discernimentos, aprendi novos valores e intenções. Estou mais calmo: pareço os adultos que observava há 25 anos, menos urgentes, menos intensos. Também fui obrigado a crescer quando me tornei pai. Não no preciso momento em que vi o meu filho mais velho pela primeira vez, mas quando escolhi – sim, é uma escolha – ser o pai que sou.
Não reconheço quem era há dez anos. Parece outra pessoa, com outra vida, afogada em padrões autodestrutivos e irresponsáveis que procrastinavam a simples existência. Há uns tempos, conversava com amigos e admitia que, se pudesse voltar atrás, não teria sido pai. Acho que, naturalmente, sou um hedonista cujo peso da existência já me basta como responsabilidade. Sou, por natureza, egoísta e arrogante, e é-me mais fácil deixar as coisas andar e deteriorarem-se do que fazer algo construtivo e benéfico. Não teria sido pai porque queria – ainda quero? – fugir às responsabilidades e conflitos que a paternidade acarreta. E sinto que mal consigo gerir quem sou, os meus problemas, as minhas insuficiências e falta de literacia emocional, quanto mais ser responsável por alguém. Há dez anos, a principal razão que evocava para não querer ser pai era que não me fazia sentido trazer outro ser humano para um mundo tão cruel e que caminhava a passos largos para algo em que não me revia. Que era egoísta e irresponsável procriar num mundo sobrelotado, desigual e onde os meus parcos privilégios – comida, teto e roupa lavada – eram conseguidos à custa da exploração de outros. Educar um filho num mundo que me parece afundar-se num retrocesso civilizacional não era algo que estivesse nos meus planos.
Não queria ser pai porque os padrões destrutivos eram o conforto que conhecia. Não equacionava a possibilidade de mudar, de crescer e de aprender com um filho. Mas foi precisamente isso que aconteceu: fui confrontado com uma escolha. Podia ser um pai que repetia os padrões que já conhecia ou podia tentar mudar. Resisti muito à ideia de mudança e não foi de todo imediata. Mas mudei, gradualmente, com ajuda, com terapia, com experiência, com amor, acolhimento. Ainda vivo nesse limbo – se calhar para sempre – de querer voltar atrás, não ser pai e viver a vida que levava. Mas, sendo um pragmático radical e sabendo que não há como voltar atrás, aceitei crescer e aprender. Vencida a resistência inicial, comecei o caminho duro de olhar para dentro e perceber de onde vêm as minhas sombras e como as podia integrar na minha vida da forma mais saudável possível. Escolhi, como escrevi lá em cima, ser um pai diferente do meu. Com outros valores e intenções, mas sem deixar de ser grato pelo legado que os meus progenitores me deixaram. Sou quem sou por causa deles e há que admitir que a minha capacidade de mudar existe por causa deles.
O erro não me define. Esta constatação foi uma das maiores fontes de liberdade da minha vida. O erro é parte integrante de quem somos. A aprendizagem com o erro e a integração das suas lições é que nos torna quem somos. A capacidade de reconhecer, sem receios, que falhámos permite-nos ter uma maior consciência do que andamos a fazer. Não sou perfeito nem sempre correto, mas posso escolher abraçar estes factos e viver em concordância com eles. Permitir-me sofrer com as minhas atitudes tanto quanto aprendo com elas. Precisei de falhar inúmeras vezes como pai, companheiro e amigo para procurar ajuda. Mas, nesse processo, acabei por encontrar quem verdadeiramente sou e fui capaz de olhar para quem era com uma empatia e compreensão que tantas vezes me fizeram falta. Foi o erro que me trouxe até aqui, no precipício dos quarenta anos, a sentir-me outra pessoa, com outras ferramentas.
Sou pai e foi das melhores coisas que me aconteceram. Primeiro, porque me permitiu cuidar de mim para que pudesse cuidar da melhor forma dos meus dois filhos. Depois, porque, uma vez cá fora, os meus filhos tornaram-se – mais do que sangue do meu sangue – família, colo e porto de abrigo. São o sítio onde amar não tem limites nem condições. Dou por mim a pensar tantas vezes na outra vida que podia ter: mais simples e irresponsável. Acredito, até, que me era mais fácil ser essa pessoa. Mas também penso que me tornei em algo que gosto, aprecio e que tenho prazer em cultivar. Tenho dois filhos que não me temem, que são livres, espontâneos e cheios de vida. Tenho uma família ímpar, como nunca sonhei ser possível, e vivemos uma vida confortável, apesar das dificuldades. Temos o privilégio de não nos faltar nada do essencial – a começar pelo amor. Não somos perfeitos, claro, nenhuma família o é. Temos muito caminho a percorrer, mas acho que é a nossa forma de olhar o percurso que nos define. Com os nossos valores, desejos e intenções, com empatia pelos outros e pelo que nos rodeia. Ser pai permitiu-me aprender a ter a coragem para arriscar ser pleno, ser quem sou e viver as consequências de cada ação e palavra. Porque não quero nada menos do que isso para os meus filhos e, já sabemos, o exemplo começa em nós.
Abraço-vos,
João
Fui lendo com algum vagar o livro “Um Outro Jornalismo é Possível: Media alternativos em Portugal”, de Filipa Subtil, Carla Baptista e José Nuno Matos. Ouvi várias referências a este livro no último ano, mas a que mais me marcou foi na conversa do Enterrados no Jardim com a Margarida David Cardoso do Fumaça. O estado do jornalismo atual preocupa-me há muitos anos e as soluções alternativas são cada vez mais necessárias. É preciso um jornalismo verdadeiramente livre, mas para isso é preciso liberdade das amarras dos interesses financeiros e políticos dos grupos financeiros detentores dos meios de comunicação. Este livro conversa apresenta outras formas de fazer jornalismo, as suas particularidades e dificuldades de gestão e subsistência. Porque, de facto, é preciso dinheiro para exercer o quarto poder que coloca em cheque os outros três. Porém, é necessário- diria, até, imperativo - olhar o jornalismo como objeto sem fins lucrativos precisamente para assegurar o seu correto trabalho de investigação. Requer financiamento para a subsistência das estruturas que fazem este jornalismo diferente do que temos hoje em dia: precário, amarrado à necessidade da notícia rápida e superficial, ao imediatismo e mediatismo que garante mais cliques e visualizações. Esta mercantilização do jornalismo não o permite exercer o seu trabalho. O livro fala, ao longo de vários ensaios, sobre como podemos almejar essas alternativas e o que é preciso para que elas subsistam. A quem lhe interessa o futuro e desempenho do jornalismo, recomendo muito esta obra.
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Eu pensava exatamente o mesmo que tu. Não queria trazer pessoas a este mundo desconjuntado e às avessas.
Na realidade, só agora, com 42 anos, sinto que teria condições de educar um filho para sobreviver a essa sociedade.
Essa confiança só a consegui com uma grande restruturação interna após ter aprendido os princípios do budismo, nomeadamente as armadilhas do ego.
No entanto, para ter filhos precisaria de outra pessoa do sexo oposto. E de pelo menos uns 5 anos para conhecer bem essa pessoa....